Caminhos (Des)Construídos
Voltada para uma parede desde que nascera, já não sabia o que era uma porta, uma janela que deixasse ver para além de cinco metros defronte de si, já não sabia recordar o que era "lá fora". Apenas o que era "cá dentro" e esse era escuro, medonho, húmido e assustador.
Muitos anos foram passados caminhando contra a parede rugosa, caindo sempre que com ela embatia. Uma vez após outra. Muitas vezes depois de muitas. Mas por mais que andasse ao longo deste obstáculo, impossível de transpor, nunca foi capaz de encontrar uma folga, uma porta, uma janela, um intervalo de parede por onde lhe fosse possível passar.
Todos à sua volta tinham pena dela, ajudando-a como podiam, dando-lhe esperança. Embora ela, sempre insatisfeita, insistisse em afirmar que os outros nunca lhe eram suficientes.
Passados muitos anos, já aleijada de tanto embater na sólida parede, já não se podia mexer, contando com uma série de pessoas que eram agora os seus braços e as suas pernas, os seus olhos, o seu nariz, a sua boca. Embora continuasse as suas eternas queixas, era possível ver que, desistindo de voltar a enfrentar a parede, se tinha acomodado num canto onde lhe era agora mais confortável ficar, sendo servida por toda aquela gente que nutria por ela uma frequente pena, que não era senão a pena de si próprio.
Contudo, certo dia, apercebeu-se de que as pessoas começavam, devagar e gradualmente,a deixar de vir ter com ela, olhando-a de soslaio, como se algo de bizarro se passasse.
Por momentos, numa fracção de segundo, quando olhou em frente, constatou que à sua frente já não se erguiam as temerosas paredes. Na verdade, foi possível por momentos ver uma longa sequência de janelas abertas que deixava ver uma bela composição de azuis. O caminho tornara-se potencialmente macio.
Tudo decorreu em fracções de segundo... que fazer agora que já estava aleijada, sentada, dependente dos serviços dos que a rodeavam...? Todo este tempo teria sido em vão. Rapidamente os seus olhos passaram a ver novamente a parede cinzenta, ainda mais sólida, ainda mais intransponível. Tudo isto, apesar de na verdade, existir um caminho apesar de difícil no início, bem mais suave, bem mais macio...
Face a tal contradição, as pessoas à sua volta começaram a tentar mostrar-lhe que existiam saídas. Contudo, estas tentativas colocavam sempre mais em causa o pequeno mundinho que ela construíra para sobreviver. Negando veementemente tal realidade, iniciava-se sempre uma onda de insultos às pessoas que a queriam arrancar daquele torpor e afinal estranho bem-estar.
A pouco e pouco, todos desistiram de ajudar quem não queria ser ajudado. A solidão passou a valer-lhe de companhia e ela pode, uma vez mais, confirmar que ninguém era bom o suficiente para ela, que ela não prestava, e eternizar a sua inabalável fé na ruindade do mundo.
"Labirint", Vinczé Janos