A Rapariga Que Tinha Açúcar Demais
Madalena nascera com muito açúcar dentro dela. Tanto que quase transbordava, enquanto miúda. A sua doçura era tanta que não havia a quem não provocasse um sorriso quando passava com os seus caracoizitos castanhos saltitantes e lhes acenava com a pequena mãozinha. Os olhos brilhantes e risonhos. Um olhar de mel, na cor e no sabor.
A menina tornou-se mulher, mas os olhos continuaram os mesmos. O mesmo líquido doce e lânguido no olhar, a mesma serenidade transmitida. Madalena não só continha dentro de si mesma uma eterna quantidade de açúcar, como também o ía largando à sua passagem, como um rasto que deixava e que oferecia mesmo aos que com ela se cruzavam.
No entanto, não obstante o seu carácter marcado e decidido, a simpatia calorosa com que recebia os outros, cedo estes começaram a sentir-se ofuscados por tanto açúcar. Primeiro era aquele rasto que ela deixava pelo caminho que os importunava e que procuravam evitar... mas com o tempo deixaram de suportar o açúcar dentro dela, o cheiro a doce, o olhar de mel... Era como se a amargura, a falta de açúcar dentro destas pessoas se tornasse, de repente, mais evidente, mais real, face a tanta doçura. Mais iconveniente, mais insuportável conseguir olhar-se ao espelho.
Madalena não entendia a hostilidade que começava a sentir por parte das pessoas e, procurando compreendê-las, produzia ainda mais açúcar dentro de si, partilhando com os outros, em redor. Madalena caminhava já com uma aura branca em redor, o açúcar como sua coroa.
O desprezo era cada vez maior, pois quanto mais afável se tornava, mais os outros a repeliam. Sem saber que na verdade se repeliam a eles próprios... Então, carregados pelo peso da inveja e da cegueira de si próprios, começaram, dia após dia, a roubar o açúcar que Madalena guardava e distribuía. Contudo, em vez de o guardarem para si próprios, deitavam-no fora, pois recusavam-se a ver nele qualquer utilidade.
Apercebendo-se da situação, Madalena tentou resistir, mas quando deu por si, encontrou a amargura num dia em que enfim se provou a si própria. Era inútil, a fábrica do açúcar deixara de produzir. Ela, a rapariga que tinha açúcar demais...
Mais tarde, engravidou e teve uma filha, tão doce como ela fora. Com ela cresceu também a doçura. Madalena começava a não suportar ver-se ao espelho no seu vazio de açúcar.
"Sweetness of Freedom", Joseph Cach