domingo, julho 17, 2005

Dar o Que Não se Tem

"Dá-te tempo" - sussurrou a voz, marcando a sua ausência. Pensou para si própria o que seria isso do "dar-se tempo". Como poderia dar-se algo que não possuía? Como poder oferecer a presença de uma ausência? As perguntas ficavam suspensas no ar, sem resposta, como bolas de sabão, vagueando no tempo. Subitamente apercebeu-se da proliferação de bolas de sabão flutuantes em seu redor. Todas esperavam. Esperavam pelo tempo em que a resposta chegasse. Demorou-se a observar estas bolas-pergunta. A sua forma, a sua fragilidade, as cores que reflectiam. A leveza que contrastava com o peso que representavam dentro de si. Talvez as dúvidas fossem como o algodão e flutuassem. Talvez libertassem, mais do que prendessem.
"Há sentimentos que nos prendem" - disse baixinho, para se ouvir sem ser ouvida. E soltou algumas amarras. Largou mágoas e culpas na palma de uma das mãos e soprou-as docemente, deixando-as dissolver-se no vento.
Naquele momento estava a dar-se tempo. Afinal podia dar-se o que não tinha. Afinal podia criar e ser um caso raro de geração espontânea. Suspirou melodiosamente e transformou-se, enfim, em bola de sabão-resposta.
"Bubble", in V-Ray

quinta-feira, julho 07, 2005

"Como todo indivíduo de grande mobilidade mental, tenho um amor orgânico e fatal à fixação. Abomino a vida nova e o lugar desconhecido."

Bernardo Soares (Pessoa 1888-1935)
O Livro do Desassossego