domingo, novembro 13, 2005

Só, Dois Pés

Sara não morrera. Nada podia ser mais verdade. E no entanto, nada podia ser mais mentira. A linha era na verdade bastante ténue, fazendo relembrar a indefinição aparente entre mar e céu em manhã enevoada. A verdade e a mentira misturavam-se, enciumadas do casal água e azeite, assim tal como a vida e a morte. Nisto pensava a rapariga de cabelos longos, meio indefinida ainda na vida. Tão indefinida que não me permitiria recordar-lhe o nome. Será que importava? Talvez sim, mas agora a vontade é de que não tenha alguma e qualquer importância.
Na escada, sozinha, pensava em como Sara não morrera, no verdadeiro sentido da palavra, mas se encontrava quase morta dentro de si. Quase. Quase, pois sabia que, no fundo, nunca morreria. Estaria sempre presente na sua mente, para a relembrar a ela, rapariga dos olhos meigos e tristes até ao limite, daquilo que hoje não tinha. Daquilo que um dia teve, mas hoje não tem...
Há alturas na vida em que se não pode estar sozinho. Está-se, mas sabe-se que se não pode estar, e até nem se está. Só quando se está realmente, se sabe que antes não se estava. Sozinho.
Agora sabia que Sara não morrera, pois lá estava ela, com aquele seu rosto tão igual ao seu, com os mesmos olhos e os mesmos cabelos. Ali tão perto, mesmo no final da rua, tantas vezes percorrida a quatro pés.
No entanto, a rapariga dos cabelos longos levantou-se, descendo devagar os degraus da espera e de tudo o que vale a pena. Deixou os olhos meigos encherem-se de amargura e virou as costas andando na direcção oposta à do final da rua. Desde aí caminhou sempre sozinha e a rua passou a ser percorrida apenas a dois pés.
Leitung Geist

sexta-feira, novembro 04, 2005

Ramos e Raízes

Espero na invisibilidade, num lugar ainda mais transparente, ainda que mais obscuro. Deito-me e entranho-me no tronco da árvore, tornando-me raíz e, quem sabe, ramo... Ramo seco e quebradiço ou pura seiva transbordante. Não sei. Mas esculpo-me na frieza dos dias.
"Tree Girl", Virginia Lee