Noémia considerava-se uma rapariga moderna e despachada. O cabelo, que mantinha sempre curto, conferia uma maior ênfase ao seu pequeno nariz proeminente a que muitos teimavam em chamar de "arrebitado". Era dinâmica e eficiente em tudo o que fazia. Contudo, ao olharmos para o seu longo dia de quem se levanta ainda a madrugada mal despertou e se deita já muito depois da noite, era fácil perceber que nele não seria possível encontrar mais do que uma vida de contínuo trabalho...
"Girl in Mirror", B. Ballard
Certo dia, quando presa ao seu portátil, escrevia à velocidade da luz, um qualquer objecto oriundo da prateleira superior do móvel ao qual estava sentada, resvalou como seta certeira provocando um forte embate no teclado do seu computador. Pela primeira vez desde há muito tempo, Noémia parou, ficando como que paralisada por um raio que se quis fulminante. Verificou com cuidado os estragos, procurando com curiosidade perceber o que se tinha passado... que estranha ocorrência esta que a vinha incomodar e fazer despertar do seu tão (in)cómodo sono?...
Nõa havia grandes estragos, pareceu-lhe à primeira vista. Mas normalmente a primeira vista é sempre grosseira, e ao tocar o seu teclado, sentiu que uma das teclas estava solta. Nesse momento uma estranha dor atacou o seu peito, uma dor que não soube ou não quis compreender no momento.
A tecla N não estava presa. Passando os dedos pela sua superfície, percebeu que estava partida e saíra do seu mundo. Um vazio enorme a consumia... Por ter parado, pôde pensar.
Pensou que não podia mais escrever algumas palavras. Pensou, pensou, pensou. E chorou. Não podia mais escrever "não"... "nunca"... "ninguém"... Mais do que isso, percebeu que, mais do que não as poder escrever, sempre tentara fugir delas, nunca as havia suportado. O N era também uma letra que expulsara dela própria.
Noémia parou e olhou de soslaio para o espelho na parede à sua esquerda. Noémia não poderia mais escrever o seu nome.

"Girl in Mirror", B. Ballard