... depois de "Momento":
"Hoje a noite está esteticamente agradável com a chuva a escorrer num fundo negro pela janela aberta. A cortina dança pelo quarto até ser sugada pela noite e a porta vai rangendo demoradamente pela casa vazia. Uma lâmpada de um amarelo murcho de papel velho baloiça, esboça sombras no tecto, pinta monstros nas paredes, e um pequeno insecto esvoaça em viciosos círculos em sua volta. E a torneira pinga na longínqua cozinha, a tv da sala discursa para um pai já noutro mundo, uns lábios suspiram sonhos no quarto ao lado. Tudo dorme nesta minha doce insónia."
Tudo dorme com a serenidade dos justos. Contudo, apenas aparentemente. Tudo se move, os movimentos opostos degladiam-se no confronto de culpas inconscientes que perduram, que persistem, que doem por dentro. Mais visíveis, ainda, apesar da noite escura que faz da janela um quadro negro, hediondo mas confortável. Os monstros dançam em redor, paridos e moldados à nossa imagem. Como nós, o insecto esgota as suas asas em torno da luz. Quando seria tão mais simples pousar e abraçar a escuridão. Deixar envolver-se por ela. Fazer parte do brilho das estrelas. Mas as asas finas lutam em esforço pelo clarão hipnotizante, pelo relâmpago inalcançável.
O tumulto assalta, assedia, inquieta. Mas por detrás da luz, fica a imensidão do sono embalado pela chuva agradável. No escuro, “tudo dorme nesta minha doce insónia”.

"Raindrops", D. Dagley
Mais uma vez aqui vos deixo um Até Breve.