O Rapaz Origami
Ainda dentro do ventre aveludado de sua mãe, o menino ouve a marcha fúnebre. Foi ao som da morte que nasceu. Nesse momento morreu o bebé em fusão com a mãe. Sempre se disse que um fim é sempre um princípio. E ao contrário também. Morreu um para nascer o outro.
Ainda dentro do ventre aveludado de sua mãe, o menino ouve a marcha fúnebre. Foi ao som da morte que nasceu. Nesse momento morreu o bebé em fusão com a mãe. Sempre se disse que um fim é sempre um princípio. E ao contrário também. Morreu um para nascer o outro.
E assim foi, sempre, desde esse primeiro momento. A marcha fúnebre era nos seus olhos de menino, sempre associada à criação. Ao renascer. Ainda que entrando pé ante pé na sua estranha vida, ninguém poderia dizer se esta mais facilmente se associaria à criação ou à destruição. Durante a infância ouviu sempre músicas melancólicas e baladas. Ainda assim sorria. Ao mesmo tempo que as lágrimas dos outros escorriam. O sorriso era parado, o menino mal se movia de onde o deixavam, e ainda assim a sua mãe o prendeu desde cedo numa pequena jaula, onde o pudesse controlar, onde o pudesse observar sempre que quisesse.
Perdia-se em pensamentos acerca da beleza da mãe, observando-a com cuidado nos muitos dias em que ela se quedava prolongadamente em frente à sua gaiola. Quem observava quem, era a questão. Quem consumia quem, a derradeira e aquela que ficava por assumir.
A expressão rasgada era o que mais o fascinava, fruto dos seus traços orientais. Apesar de tudo, não conseguia deixar de ficar fascinado com a sua beleza. O sofrimento que era suposto sentir transformava-se em contemplação e no prazer da estética. A mãe, o seu único e infinito objecto de amor.
Ironicamente, esta mulher de traços marcadamente orientais passava este longo tempo em que se deixava semi-ajoelhada junto à gaiola do filho dedicando-se à sua segunda actividade preferida – fazer pássaros de papel. A arte Origami era algo que levava muito a sério, aperfeiçoada quase até ao limite. E assim passava a sua vida este rapaz, sonhando com as asas de papel em que a mãe o fazia acreditar em vão…
Ele próprio, sem perceber, era um pedaço de papel dobrado, que a mãe começara a dobrar no ventre e agora vincava com mais força do que nunca. Pena que estas asas de papel ainda mais o prendessem ao chão em vez de o fazerem levantar voo. Nunca tivera nome. Origami poderia ser mesmo o que melhor se lhe adequava. Um pássaro sem asas, uma contradição viva, em que nada batia certo. Nem a música.
Quando se sentia triste, em pano de fundo era possível ouvir uma sonoridade extremamente alegre. Nos momentos de alegria, músicas entristecidas pelo tempo. Assim era a vida ambivalente do rapaz Origami que crescia a olhos vistos. O rapaz que já homem, apanhava bofetadas quando sorria e era beijado e presenteado quando chorava. Mas o mais confuso de tudo era mesmo a música. Aquela música que mais ninguém parecia ouvir, a música que não o deixava sorrir. A música que não o deixava chorar, Como se o som fosse para ele a tentativa máxima de impedir as emoções. Vivendo nesta insistência de fazer da sua vida uma imensa banda sonora.
Ele próprio, sem perceber, era um pedaço de papel dobrado, que a mãe começara a dobrar no ventre e agora vincava com mais força do que nunca. Pena que estas asas de papel ainda mais o prendessem ao chão em vez de o fazerem levantar voo. Nunca tivera nome. Origami poderia ser mesmo o que melhor se lhe adequava. Um pássaro sem asas, uma contradição viva, em que nada batia certo. Nem a música.
Quando se sentia triste, em pano de fundo era possível ouvir uma sonoridade extremamente alegre. Nos momentos de alegria, músicas entristecidas pelo tempo. Assim era a vida ambivalente do rapaz Origami que crescia a olhos vistos. O rapaz que já homem, apanhava bofetadas quando sorria e era beijado e presenteado quando chorava. Mas o mais confuso de tudo era mesmo a música. Aquela música que mais ninguém parecia ouvir, a música que não o deixava sorrir. A música que não o deixava chorar, Como se o som fosse para ele a tentativa máxima de impedir as emoções. Vivendo nesta insistência de fazer da sua vida uma imensa banda sonora.
Quando estava para morrer, já velha, a mãe olhou-o através do olho rasgado, aquele que não ficara encoberto pela madeixa lisa e já branca, outrora negra, que tombava sobre o seu rosto triangular. Nesse momento mostrou-lhe o pai, de feições latinas. O pai, emergente do fogo. Antes de exalar o último suspiro, abriu a gaiola onde o filho se encontrava sentado fazia anos. Ao tentar sair da gaiola, à simples tentativa de mudança de posição, partiu as pernas, e caiu numa queda fatal, ao som de uma música infantil…
Já dentro do caixão, longinquamente, ouviu a marcha nupcial. O rapaz casava-se agora com a terra. Contudo, ainda mais ao longe ouvia quase simultaneamente a marcha fúnebre de novo. O rapaz Origami viveu uma vida imperceptível. Ele próprio sem perceber que a sua vida foi um filme sem banda sonora apropriada.

"Origami", Schumacher