Quando os Mendigos Fazem Sorrir
Sabias que hoje é dia de sorrir lágrimas? Sabias?... Todas aquelas que não foram vertidas, e em vez de serem choradas, serão sorridas?
As gotas de água adivinhavam-se por detrás das notas musicais que ondulavam a partir dos dedos que se moviam, lestos, no acordeon, e por momentos se transformavam em sorrisos cantados.
Os mendigos, muitas vezes, fazem chorar. Mas hoje os mendigos faziam sorrir. E na carruagem, em vez de uma moeda, ganharam um sorriso. Um sorriso tímido da mulher que, encostada num dos lugares perdidos do metro, teria tido mais um final de dia amarelo e um rosto pardacento de cansaço, não tivessem sido aqueles dedos lestos que percorriam o instrumento e o faziam tocar entrelaçando as notas com a voz cor de mel. E o olhar foi melhor que a moeda. No peito, uma luz trémula de agradecimento.
A música ecoou, mesmo quando os vidros que dividem as carruagens abafavam o som. Nada pode abafar sorrisos. Ainda mais, quando são chorados, vertidos, derramados. Mesmo assim, verdadeiros. Talvez a música já não estivesse na carruagem ao lado. Talvez ecoasse apenas por dentro, em harmonia com o compasso sempre certo do coração eterno.
Há dias assim. Em que o fim do dia, mesmo amarelecido, é cantado, glorificado, memorável até. Como o som gravado por dentro.
Há dias em que os mendigos fazem sorrir. Embora chorem.

"The Flavour of Tears", R. Magritte