terça-feira, outubro 04, 2005

Da (In)Visibilidade
A paixão expressa-se na lágrima. Porque a lágrima é o extremo. Vem sempre de dentro, portanto sabe onde fica a origem e como tudo conheceu um início.
Foram os pensamentos de Ana naquela tarde sem lágrimas. Como não chorava fazia já muito tempo, estava cada vez mais certa de que já não tinha paixão dentro de si. Assim como se tivesse secado por dentro, esvaziado o saco das lágrimas na infertilidade dos terrenos áridos em que a sua alma se transformara.
Os dedos esguios sobre a folha branca de papel defronte de si tornavam-se ainda mais esguios, como se fossem braços de bailarina ou pescoço de cisne. Não tão brancos como a imagem sugere, mas curvilíneos, magros, de uma elegância subtil e quase virgem. Segurou devagar o resto de carvão que usara para os seus esboços e desenhou algumas rugas. Depois vincou o papel no lugar dos riscos desenhados. Este era o seu livro, aquele que contava a sua vida.
Quando terminou verificou que era um livro imenso, quase infinito. E nesse momento sentiu-se mais viva. Chorou para dentro e regou uma semente inconsciente.
Pensou para si própria que talvez estivesse certa. Ou errada. E também que há lágrimas invisíveis.
"Teardrop", por "Flamingpear"